Quem precisa mais de quem? Moro de Bolsonaro? Ou Bolsonaro de Moro?

Não serei eu a duvidar daquilo por que é investigado o senador Fernando Bezerra Coelho. Nenhuma probabilidade de crime, porém, tornará menos grave o conjunto de barbaridades jurídicas — obra chancelada por Luís Roberto Barroso — em que consistiu a excursão policial a endereços relativos ao líder do governo no Senado; inclusive, e não à toa, dentro do Parlamento.

O que dizer de um ato de busca e apreensão que pretenda coletar, em 2019, documentos relativos a suposto recebimento de propina ocorrido no período entre 2012 e 2014? O que, qual mísero papel, se poderia querer encontrar, para robustecer provas, tantos anos depois? Qual seria o objetivo dessa excursão que não mais um arreganho na cruzada autocrática que mina a institucionalidade do país? Qual, senão jogar para a galera em mais um espetáculo de criminalização artificial da atividade política?

O que houve — qual o fato novo — que possa sustentar, fora do terreno das intenções políticas, essas medidas cautelares? Como justificar esses mandados, sem ver os dentes de uma Polícia Federal que se quer com leis próprias, se os fatos investigados são antigos, já amplamente conhecidos, e se a Procuradoria-Geral da República havia se manifestado contrariamente ao pleito da PF? A PGR foi explícita a respeito: a expedição teria “pouca utilidade prática”.

Ocorre que desde há muito — desde que o lavajatismo se espalhou como um poder dominador de extensos setores de órgãos estatais —, a utilidade prática deixou de ser critério decisivo para operações policiais. O bolsonarismo se beneficiou imensamente dessa onda. Com Bolsonaro eleito, pensou que poderia transformá-la em marola e enquadrá-la na própria piscina. Agora, com a piscina cheia de ratos, experimenta o caixote.

Fernando Bezerra Coelho — repito — é (ainda é) líder do governo Bolsonaro no Senado. Foi contra essa condição — a de líder do governo Bolsonaro — que agiu a PF. Para dar nome aos contendores e qualificar a chicana jacobinista autorizada por Barroso: a ação contra o senador teve tanta validade legal quanto possa ter um golpe na rinha que opõe os outrora parceiros bolsonarismo e lavajatismo.

O lavajatismo — que elegeu Bolsonaro — desafia Bolsonaro. Desafiado, Bolsonaro — que se iludiu sobre incorporar o lavajatismo — está ainda sob efeito do susto de haver descoberto que há outro fenômeno autoritário já enraizado na máquina e com ganas para o mesmo projeto bolsonarista: o de controlar o aparelho investigativo de Estado.

É a batalha que se trava neste momento; e o bolsonarismo está (e sabe) bem atrás. Barroso é o lavajatismo. Sergio Moro é o lavajatismo. O presidente tentou — avaliou que poderia — submeter o mecanismo lavajatista abarcando e depois esvaziando o ex-juiz. Não funcionou. Articulou, com sucesso, para que lhe tirassem o Coaf. Mas o Coaf, atual UIF, continua sob gestão de Moro — porque o troço foi tomado pelo lavajatismo. Bolsonaro pode humilhar Moro, minguar Moro. Não pode, contudo, livrar-se de Moro; não sem incalculável prejuízo político. Moro sabe. E fica. Moro ficará mesmo se sair, talvez mesmo rindo do senador Bezerra, para quem o ex-juiz seria esquecido 60 dias depois de ido.

Seria mesmo o caso de especular sobre quem precisa mais de quem. Moro de Bolsonaro. Ou Bolsonaro de Moro. Não é resposta fácil. Seria o caso também, pois, de refletir sobre se será mesmo o ministro o sujeito politicamente inábil que se apregoa por aí; ou se outra coisa não será — dane-se a política — que a personalidade autoritária perfeitamente imune à fritadeira bolsonarista.

Não faz muito, o presidente foi para cima do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Era ele o senhor da caneta, o chefe. Um ataque também ao ministro da Justiça. Bolsonaro —com notável atraso – havia compreendido que a autonomia da PF se convertera, sob a influência lavajatista, em flerte com o Estado policial. Não que a mentalidade bolsonarista seja hostil ao Estado policial. O problema, para o bolsonarismo, é um Estado policial do qual não tenha as rédeas.

O presidente reagiu; tentou emparedar Moro. Subiu o tom publicamente: podia trocar superintendentes da PF e demitir o diretor-geral. Valeixo, então, recolheu-se em férias estratégicas. Voltou — e continuou no cargo. Parecia uma vitória de Bolsonaro, a permanência do delegado entendida como submissão à agenda do presidente, a PF baixando a bandeira de seu Estado independente.

Parecia…Veiculou-se, faz pouco, que, em conversa logo após a investida da PF contra o senador Bezerra, Bolsonaro teria perguntado a Moro sobre se o órgão estaria fora de controle. O ministro nega que tal diálogo tenha ocorrido; mas me é impossível não conjecturar sobre o que teria pensado diante da questão: “Fora do controle de quem, capitão?”

Carlos Andreazza

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