Por ‘falha de comunicação’, maior refúgio da caatinga em Pernambuco pode ser extinto

refugio

Não há lugar nenhum do mundo, além do Brasil, que possua a caatinga. O bioma é, aliás, quase exclusividade do Nordeste: apenas uma pequena parte de sua extensão é abrangida por Minas Gerais. Com mais de 900 espécies de fauna e flora, este patrimônio biológico tem um diversidade gigantesca, muitas vezes preterida quando o assunto é preservação. Apesar da importância incontestável, a caatinga é também o mais fragilizado dos ecossistemas brasileiros. Foi com o intuito de preservá-lo, então, que, em março deste ano, o governo de Pernambuco tomou a decisão de criar seu maior santuário ambiental: o Refúgio da Vida Silvestre (RVS) Tatu Bola, uma área de proteção integral de 110 mil hectares que engloba os municípios de Petrolina, Santa Maria da Boa Vista e Lagoa Grande. Oito meses após a sua criação, porém, uma mudança vigorosa. A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), que propôs o refúgio, anulou a existência dele por meio do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema). A decisão será encaminhada ao Governador Paulo Câmara, para que um projeto de lei torne a abolição oficial.

Para a Secretaria, a justificativa para revogação do decreto estadual de nº 41.546 – que, inclusive, surgiu como um legado da Copa do Mundo, cujo mascote foi Fuleco, um tatu-bola – foi a insatisfação de trabalhadores rurais da região, que temiam desapropriação de terras e limitações danosas de suas atividades com as novas regras.

Pesquisadores que embasaram os estudos, no entanto, negam veementemente tais prejuízos. Severino Rodrigo, diretor do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan) e participante da criação do RVS, reforça que o estudo de criação foi o mais completo já feito em Pernambuco para uma área ambiental. “Diversos grupos se mobilizaram e foram a campo para iniciar os estudos de criação do Refúgio, que deveria ser a maior do Estado e um dos maiores do Brasil. Foram priorizadas áreas de baixa densidade, sem conflitos e longe de estradas, já para não esbarrar em nenhum problema clássico. E, do nada, muito rapidamente, sem um processo amplo de discussão, foi rebaixado de categoria.” Ele acrescenta que a Secretaria de Meio Ambiente incentivou e vibrou com a criação do Tatu Bola, e que as demandas que rapidamente levaram à anulação do decreto não surgiram durante as discusões de criação.

A Secretaria confirma. Carlos André Cavalcanti, secretário executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade, explica que as informações que circularam sobre o RVS foram “distorcidas, incorretas” e que as demandas dos trabalhadores só chegaram depois do estabelecimento do decreto. “Na ótica da Secretaria é possível dar continuidade. Fizemos várias pesquisas em Refúgios e detectamos que é possível conciliar as propriedades privadas e a agricultura de baixo impacto com a conservação da biodiversidade. Mas o argumento é o de que não houve aderência na região, pois o pensamento mais forte na área é o de que haveria impeditivo na continuidade das atividades que eles hoje desenvolvem. Esse foi o principal problema na prática: a incompatibilidade.” Foram, então, propostos pela Secretaria de Meio Ambiente novos estudos para a criação de uma Área de Proteção Ambiental (Apa), que costuma ser estabelecida em áreas muito populosas, onde tipos de conservação mais efetivos não são possíveis.

Contradições e falhas de comunicação

A diretora de Política Agrária da Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco), Maria Givaneide Pereira, narra a maior preocupação da categoria: a dificuldade ao acesso a políticas públicas, como o crédito rural, que começou a acontecer após a implantação do decreto, e a possível proibição ao uso da terra, fonte de sustento dos agricultores. “A gente não é contra a preservação do meio ambiente, até porque a área foi escolhida porque é preservada e justamente pelos trabalhadores. A gente defende que seja feito a conservação, mas com sustentabilidade para os trabalhadores que lá habitam.”

Maria Givaneide acrescenta ainda que o processo de criação não contemplou a voz dos agricultores, dos assentamentos e comunidades quilombolas, apesar de ter contado com assembleias públicas em cada município. Durante as reuniões de recategorização, ela acrescenta, os pesquisadores que desenvolveram o RSV não compareceram para defender o local. Eis que surge uma contradição: pesquisadores interessados em detalhar e defender a unidade de conservação contam que foram “propositalmente escanteados” da discussão que anulou o Refúgio.

O diretor Severino Rodrigo diz que as instituições técnicas que fizeram as pesquisas iniciais não puderam participar do debate. “Fizemos reuniões com técnicos da Secretaria de Meio Ambiente para participar do processo, mas não fomos chamados.” O mesmo é dito por Felipe Melo, biólogo, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e um dos pesquisadores que auxiliaram a criação do estudo. “Relato um episódio: fui nessa reunião, que fiquei sabendo por terceira via, pois, diante de todo o problema, o Governo não chamou a gente pra ajudar. Quando pedi a palavra para falar sobre o Tatu Bola, o Secretário de Meio Ambiente Sérgio Xavier realizou uma votação entre os conselheiros para saber se eu podia ou não falar. É uma assimetria. Eu fui o único que defendeu o Refúgio, e o meu direito de falar foi colocado em votação”, reclama.

Apesar da consulta, a fala de Felipe foi garantida pelos conselheiros. Ele afirma que a situação, que ocorreu em setembro, está gravada e que ninguém do Conselho defendeu a permanência do Refúgio Tatu Bola durante a reunião, apresentando, sem contrapontos, a proposta de recategorização. Felipe conta que a Secretaria não disponibilizou qualquer tipo de suporte para que os pesquisadores fossem às reuniões, localizadas nas cidades que abrangem o Refúgio. (DP).

2 Comentários

  1. Israel Sá

    1 de dezembro de 2015 em 09:53

    Caro Edenevaldo, como leitor de seu blog, ao ler essa matéria gostária de expressar um pouco minha opnião sobre esse decreto de nº 41.446 de 16 de março de 2015. Como de inicio você mesmo titulou a seguinte frase * por falta de comunicação *, esse decreto foi feito de uma maneira que excluia a opnião e o direito ao conhecimento daquelas pessoas diretamente envolvidas, uma coisa colocada de cima pra baixo, e de maneira quase anti-democrática, ou se ja o governo do estado simplesmente não se preocupou com as famílias existente no interior, e nas áreas de amortização da reserva, onde esses agricultores simplesmente tinham que deixar suas terras pra viver sabe Deus onde.
    No dia 13 de novembro de 2015 teve uma reunião no sindicado dos trabalhadores rurais de Petrolina, que contou com a presença do secretário de meio ambiente e que de forma serena ouviu atentamente aos reclames dos agricultores, onde pediam a revogação desse decreto e e com essa revogação, consequentemente ficou acordado pela implantação da APA(área de proteção ambiental), que é também uma forma de preservar com o homem inserido, e não na forma que estava, que expulsava os agricultores de suas terras.
    Com isso tenho plenas convicções que vai ser muito melhor do que foi colocado antes…
    Porque queremos preservar e já estamos preservandos, porque expulsar os agricultores de suas terras provocando prejuízos irreparaveis..

  2. Israel Sá

    1 de dezembro de 2015 em 09:58

    Porque queremos preservar e já estamos preservando, porque expulsar os agricultores de suas terras provocando prejuízos irreparáveis, com certeza não é a melhor saída……

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