Discriminação por raça deprecia força de trabalho das mulheres negras

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No Dia da Consciência Negra, a série “Empoderamento feminino” traz à tona dificuldades vivenciadas por mulheres pretas e pardas. Relatório do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que não há muito a comemorar e afirma que as afrodescendentes “enfrentam uma dupla discriminação no mercado de trabalho, de raça e de gênero”. Entre essas mulheres, na capital federal, a taxa de desemprego é a mais elevada, e o valor pago por hora trabalhada é o mais baixo. A exclusão se repete nos demais locais avaliados pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED): Fortaleza, Porto Alegre, São Paulo e Salvador.

Os números foram divulgados na última semana, mas eram esperados. “A negra é a maior vítima do mercado de trabalho”, pondera frei David Santos, diretor executivo da organização não governamental Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes). Na visão dele, essa realidade é fruto dos quase 400 anos de escravidão de negros no Brasil e do fato de, mundialmente, a mulher ser mais oprimida. O diretor da ONG vê poucos avanços sociais e avalia que, em muitos casos, a escravidão apenas mudou de formato.

Professora de comunicação e serviço social da Universidade Católica de Brasília (UCB), a doutora em comunicação e pesquisadora de raça e gênero Isabel Clavelin observa que as negras se encontram na base da pirâmide social. “Nas relações de trabalho, isso afeta objetivamente o ingresso, o acesso a promoções, a permanência, o salário… Elas se deparam ainda com outras dificuldades, como assédio sexual e moral.” Essa estrutura é perpetuada, na opinião da pesquisadora, por uma conivência das empresas com o racismo. “As companhias sabem da situação, mas pouco fazem”, diz. Exemplo disso é que as negras são apenas 0,4% das executivas do país, segundo dados do Instituto Ethos sobre as 500 maiores empresas do país.

Dione Moura, professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB), analisa que profissionais pretas e pardas enfrentam diversos obstáculos — o primeiro deles, socioeconômico, que leva a piores condições de educação. “Existe ainda uma visão de que elas são menos capazes para o trabalho”, diz a doutora em ciências da informação.

Estética

O racismo o perpassa, inclusive, aspectos estéticos. Em muitos casos, as próprias pretas e pardas têm em mente um ideal de beleza europeu e, em outros, há cobranças para que elas se sujeitem a ele. “Quando a primeira desembargadora negra do Rio de Janeiro — Ivone Caetano — foi tomar posse, um desembargador perguntou se ela participaria da cerimônia com aquele cabelo”, exemplifica frei David Santos.

“O preconceito não é causado pelo cabelo, pelo turbante ou pela roupa, mas pelo que as pessoas acham que isso significa. O brasileiro tem dificuldade de lembrar o período de escravidão, então optou por negar os elementos africanos. Há uma fuga em reconhecer a identidade negra, e as dívidas decorrentes dela. É uma tentativa de apagar essa ancestralidade que foi injustiçada. O mesmo acontece com os indígenas”, analisa Dione Moura.

Essa tentativa de eliminar o débito social também poderia explicar a rejeição às religiões de matriz africana. “Os escravos foram impedidos de cultuar deuses próprios. Até hoje, esses ritos são considerados, por muitos, como inapropriados”, comenta Isabel Clavelin. “Isso também afeta o mundo do trabalho, pois pessoas dessas religiosidades são julgadas como macumbeiras. É mais uma discriminação”, diz. (Correio Braziliense).

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