Artigo do Leitor: A exuberante irracionalidade humana pela lente da teoria dos jogos

 Em 2011, um filme chocante intitulado Melancolia, dirigido por Lars von Trier, brindou os amantes da 7ª arte como uma ode à desesperança; num misto de drama e ficção científica, um planeta, cujo nome dá título ao filme, está em rota de colisão com a Terra, ao mesmo tempo em que ocorre um suntuoso casamento. À medida que ocorre a aproximação, o telespectador mergulha na psique da noiva.

Guardadas as devidas proporções, é de se questionar: como lidamos com tantas contradições em nossas vidas?  Charles Dickens, em 1859, no conto Duas Cidades, bem sintetizou essa era liquefeita em que vivemos, essa complexa contradição individual e coletiva: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; a era da  sabedoria, a era da tolice; a época da crença, a época da incredulidade; a estação da Luz, a estação das Trevas; a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de  nós, tínhamos nada diante de nós; íamos todos direto para o Céu, íamos todos para o lado oposto – em suma, era um período tão semelhante ao atual, que algumas de suas autoridades mais  barulhentas insistiam que fosse recebido, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo de comparação.”

Recebemos, simultaneamente, vídeos que retratam o caos provocado pelo COVID-19 no Equador e aquela piada hilária. Choramos e rimos. Brigamos e sentimos prazer com a  desgraça alheira, naquilo que os alemães denominam de Schadenfreude, uma espécie de  “bem feito”. Segue.

É fácil constatarmos que o ser humano é uma espécie que atua pelo próprio aniquilamento. Aparentemente atuamos tão somente para administramos o fim do mundo. Aquecemos o planeta, desmatamos florestas, usamos agrotóxicos em nome da  produtividade e lucro (em detrimento óbvio da saúde), enfim, uma psicodélica sociedade: queremos vida com qualidade, mas nos matamos, com nossos hábitos e opções de  consumo.

Somos o que Esopo descreveu na fábula do escorpião. Segue.
As polêmicas que giram em torno do enfrentamento ao COVID-19 comprovam tal aspecto.  Então que cenários sociais poderiam maximizar as ações que visam achatar o pico de  contaminação e, assim, possibilitar que os sistemas de saúde, público e privado consigam  dar conta dos internamentos dos contaminados pelo COVID-19? Isolamento vertical ou horizontal?

Para além de uma decisão calcada em evidências científicas, é de ver-se que nenhuma experiência humana que exigiu altruísmo teve sustentabilidade ao longo do tempo. É que em estado de necessidade, como a causada pela fome, por exemplo, o ser humano não guia suas ações pela cooperação, solidariedade e altruísmo. Basta lembrarmos das cenas de incêndios em prédios. Ante a iminente morte pelo fogo, a pessoa acaba por ser jogar para uma morte certa; o instinto de sobrevivência, ainda que para ganhar alguns segundos, impera. É a natureza humana. E o ser humano, neste sentido, é uma aporia.

Assim, tentando explicar e resolver os dilemas, do ponto de vista matemático o comportamento humano, a teoria dos jogos, aperfeiçoada pelo matemático norte americano John Nash (que tem sua vida retratada no estupendo filme “Uma mente brilhante”), objetiva responder às seguintes indagações: O que faz os jogadores colaborarem?
Em que situações fica mais patente a conduta de não colaboração?
Que ações podem levar à colaboração entre os jogadores?

“Jogadores”, na teoria dos jogos, são as pessoas em suas inúmeras relações sociais. Eu, você e o Governo, por exemplo, somos todos jogadores que deveriam estabelecer  estratégias de colaboração, especialmente em face da pandemia, que mostra que não cooperar é literalmente suicídio.

Adam Smith afirmava que a competição entre os membros da sociedade favorece o bem comum. Ledo engano; o melhor é quando se faz o melhor pra si e para o grupo social, como concebido por John Nash, ganhador do Nobel de Economia de 1994. Aí está uma máxima da teoria dos jogos: somente com colaboração entre os jogadores chegaremos ao equilíbrio de Nash, ou seja, jogo sem vencedores.

Por outro lado, outra categoria da teoria dos jogos denominada de “tragédia dos comuns”, cujo significado repousa na incapacidade natural das pessoas colaborarem, espontaneamente, o que impõe ao Estado o papel de mediador e jogador dos jogos econômicos, sociais e jurídicos. Sem que o Estado intervenha não haverá colaboração entre os jogadores. Isso porque o Estado é o instituidor e modulador da liberdade (Freiheit) e dos deveres (Sollen), devendo agir, como ensina o filosofo Karl Popper, racionalmente.

Temos uma oportunidade impar de sairmos maiores e melhores. Tudo leva a crer que decidimos ser jogadores colaborativos. Tomara que, como Friedrich Nietzsche afirmou, embora nossa geração tenha demorado em decidir sermos melhores, não recuemos ante nenhum pretexto.

Um dia, será inevitável la fin du monde, mas não por agora.

Sobre o leitor: Luiz Antonio Costa de Santana, advogado, professor da Universidade do Estado da Bahia
– UNEB e da Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf. E-mail:
lacsantana@icloud.com
http://lattes.cnpq.br/2794460606557487

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