Cunha sofre derrota na Câmara e não consegue aprovar sua reforma política

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A proposta de mudar o sistema eleitoral brasileiro para o polêmico distritão, defendida pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha, e criticada por cientistas políticos, foi derrotada na noite dessa terça-feira. A forma de eleger deputados e vereadores, portanto, continuará a mesma. A mudança foi a primeira proposta da reforma política a ser votada pelos deputados.

Ainda na madrugada desta quarta-feira, eles também decidiram pela não inclusão na Constituição Federal do financiamento empresarial de campanhas, outro ponto defendido por Cunha. A votação sobre o tema continua nesta quarta e se decidirá se o financiamento de pessoas físicas será permitido ou se só valerá o governamental, como defende, por exemplo, o PT.

Por 267 votos contrários e 210 favoráveis, o distritão não conseguiu os 308 votos necessários (três quintos da Casa) para que se alterasse a Constituição. Pelo modelo, cada Estado seria considerado um “distrito” (por isso era chamado de distritão) e seriam eleitos os deputados e vereadores com maior número de votos, na ordem. Isso, dizem os defensores da mudança, evitaria distorções como o fator “puxador de voto”, causadas pelo atual sistema proporcional, onde um candidato com grande número de votos elege candidatos menos votados de sua coligação.

A medida, entretanto, é vista com restrição por especialistas, que consideravam que ela enfraquecia os partidos políticos e encarecia as campanhas porque, para ser eleito, um candidato precisaria ter mais visibilidade. Uma petição contrária a ela, assinada por 177 cientistas políticos, foi encaminhada a Cunha na última semana. “O distritão é primitivo, burro”, disse o professor de ciência política da USP, Fernando Limongi, um dos signatários.

Apesar das restrições apontadas pelos especialistas, Cunha costurou um acordo durante toda essa segunda-feira para tentar aprovar a proposta. Para alguns analistas, ele seria um dos grandes beneficiários, pois tem uma grande quantidade de votos em seu Estado e recebe muita verba de financiamento. “A grande vantagem do distritão é facilitar a sobrevivência dos próprios políticos, principalmente os do PMDB, que já não têm estrutura partidária nenhuma”, explicou Carlos Pereira, professor de ciência política da FGV-Rio.

Na própria segunda, ele acordou com líderes dos partidos que enterraria a comissão especial formada para discutir a Proposta de Emenda à Constituição sobre a reforma política. O grupo, que por três meses ouviu especialistas sobre as reformas, deveria votar o relatório do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), que apesar de ter sido indicado por Cunha era contrário ao distritão. No entanto, o presidente da comissão, Rodrigo Maia (DEM-RJ), favorável ao distritão, adiou a sessão que aconteceria na segunda e, depois, a cancelou. Nos bastidores se dizia que a proposta, muito provavelmente, teria parecer contrário da comissão especial, o que poderia influenciar a opinião de deputados na votação do Plenário, marcada para essa terça-feira. Na reunião de líderes ficou decidido que a matéria seria votada apenas no Plenário e o próprio Maia apresentou um novo relatório, em que defendia a proposta.

Nesta terça-feira, Cunha respondeu às críticas de que teria dado um “golpe” para aprovar a proposta que defendia. “A decisão do colegiado de líderes que quis trazer a matéria para discutir hoje não visou a subtrair o trabalho de quem quer que seja. E, sim, ter um ordenamento que permitisse o destaque para que todas as preferências sejam postas em discussão. A decisão não foi da presidência [da Câmara] e, sim, do colégio de líderes”, disse ele, antes da votação. Cunha fez questão de ressaltar, entretanto, que não aprovar a proposta significaria “votar no modelo que existe hoje”. Além da proposta do distritão, já haviam sido derrotadas as propostas de voto fechado em lista, defendida apenas pelo PCdoB, e a do voto distrital misto, defendida pelo PSDB.

O resultado da votação sobre o distritão, entretanto, permanecia uma incógnita até o momento do resultado. Não se sabia qual seria o tamanho da influência de Cunha diante dos parlamentares. Dois partidos, o PSDB e o DEM, liberaram seus deputados para votarem como quisessem, o que dificultava as contas. E, para confundir ainda mais o quadro, o PCdoB orientou que seus parlamentares votassem favoravelmente à proposta, apesar de há apenas seis dias tê-la chamado de “retrocesso”. Depois da derrota do distritão, também foi reprovada a mudança para o modelo distritão misto, um quarto tipo, que misturava o distritão e o proporcional, que é o atual. Entenda as diferenças entre os quatro modelos aqui.

A derrota foi comemorada pelos deputados de esquerda. Chico Alencar (PSOL-RJ), que no dia anterior chamou de “golpe” a manobra de Cunha, disse em seu Twitter: “O poder não pode tudo o tempo todo”.

O resultado acabou emperrando a reforma política já no primeiro ponto. Para os especialistas, entretanto, o modelo atual, com o voto proporcional, é o melhor dentre os apresentados. “É muito raro haver um caso de puxador de voto forte. A norma não é essa. Nosso sistema permite a transferência de votos. Você vota em alguém e, se a pessoa foi sobrevotada ou subvotada, seu voto é aproveitado por outro candidato”, explica Limongi. “É um sistema que permite aproveitar o voto do eleitor.”

As votações da reforma política devem acontecer até a próxima quinta-feira, na seguinte ordem: financiamento de campanha, fim da reeleição, tempo de mandato, coincidência ou não das eleições municipais com as estaduais e federais, cota para as mulheres, fim das coligações eleitorais para deputados e vereadores, entre outros.

Nesta quarta, os deputados retomam às 12h a discussão sobre as demais propostas de financiamento que serão permitidas. Primeiro, decidem se só valerão as doações de pessoas físicas e do Governo. Caso a proposta também saia derrotada, definem se o financiamento só será público. Se, ao final, nada for aprovado, tudo continua como é hoje. O financiamento empresarial, entretanto, corre o risco de deixar de ser permitido. Hoje, apesar de ocorrer amplamente, o modelo não consta na Constituição e, por isso, o Supremo Tribunal Federal discute sua constitucionalidade. Deputados favoráveis a ele tentavam incluí-lo antes do parecer final dos ministros (seis já votaram pela inconstitucionalidade). A votação está parada há um ano.